Ibas rejeita intervenção internacional na Síria
Em uma reunião de caráter essencialmente político, para reforçar a coordenação entre três dos maiores países emergentes democráticos de três continentes, Índia, Brasil e África do Sul divulgarão um comunicado amanhã em que devem cobrar respeito à soberania e integridade territorial da Síria em crise. Os presidentes dos três países, reunidos no grupo conhecido como Ibas, também reivindicarão das Nações Unidas o rápido reconhecimento do Estado palestino, mas querem dar maior destaque às questões econômicas, como a cobrança de maior esforço dos países da zona do euro para solucionar a crise financeira internacional.
Nos últimos dias, diplomatas dos três países, todos membros temporários do Conselho de Segurança das Nações Unidas, negociaram os termos da declaração do Ibas a ser assinada por seus respectivos presidentes. Por insistência do Brasil, além de condenar "todas as formas de violência" e violações aos direitos humanos na Síria, o Ibas deve cobrar do governo local proteção à população e aos civis desarmados. Mas os presidentes devem reafirmar que a única saída possível, para os países que compõem o Ibas, é um "processo político transparente" que inclua todas as facções políticas sírias e atenda às aspirações da sociedade local.
É uma manifestação que rejeita uma possível intervenção militar como a realizada na Líbia, e deixa espaço ao ditador Bashar Assad para buscar uma saída política negociada para o impasse no país, convulsionado por protestos e pela brutal repressão do governo. Os três países já enviaram uma missão diplomática a Damasco que obteve de Assad promessas de reformas democratizantes, até agora não cumpridas sob alegação de que o governo sírio é atacado por grupos armados terroristas.
Organizações não-governamentais, como o Human Rights Watch, cobram dos governantes do Ibas uma condenação mais enérgica do massacre contra a oposição, com mais de 3 mil mortos, promovido pelo governo sírio. A alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Navi Pillay, aponta "alegações críveis de crime contra a humanidade" no país. Autoridades da Índia, às vésperas do encontro do Ibas, apontavam como uma vitória do grupo, entretanto, a abstenção coordenada dos três países na votação de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para sanções e possíveis ações da comunidade internacional contra o país dominado por Bashar Assad.
Os países do Ibas, especialmente a Índia, querem evitar um ataque militar como o realizado contra a Líbia de Muamar Gadafi, o que, no caso da Síria, poderia despertar reações violentas no mundo árabe, na avaliação dos diplomatas. Na votação do Conselho de Segurança, o representante indiano, Hardeep Puri, acusou a resolução contra a Síria - afinal vetada por China e Rússia - de ignorar a "violência perpetrada pela oposição" na Síria.
As autoridades da Índia anunciaram antes do encontro em Pretória, na África do Sul, que esperam ver o agravamento da crise financeira mundial como principal tema do encontro do Ibas - como, aliás, deseja a presidente Dilma Rousseff. Os três países devem declarar sua preocupação com a deterioração do cenário econômico mundial e cobrarão maiores passos para a reforma da "governança global", por meio da ampliação da participação dos países emergentes no Fundo Monetário Internacional e da atuação do G-20, o grupo dos países mais influentes na economia mundial, do qual as nações do Ibas fazem parte.
Os presidentes devem lembrar, ainda, como a crise ameaça as perspectivas econômica principalmente nos países em desenvolvimento e entre os mais pobres. Dirão que Índia, Brasil e África do Sul têm feito sua parte para evitar um colapso econômico global, por meio de políticas de desenvolvimento e combate às pressões inflacionárias, e pedirão avanços nas discussões sobre medidas contra a crise, antes da reunião de novembro do G-20, em Cannes.
A reunião de cúpula do Ibas é precedida hoje por um encontro entre ministros dos três países para dar os últimos retoques à declaração final. Os presidentes discutirão também como avançar com a incipiente coordenação entre os três países em projetos conjuntos, como o plano de lançamento de um satélite trilateral de observação meteorológica. O satélite, que deve ter sua construção realizada pela África do Sul, os equipamentos que compõem sua carga útil feitos no Brasil e lançamento a cargo da Índia, é um projeto de US$ 17 milhões a US$ 20 milhões, suspenso até agora por insuficiência orçamentária nos três países. Não devem ser anunciados passos concretos, mas a intenção de retomar o projeto.
Mais definida está a continuidade do fundo trilateral para cooperação em terceiros países, que os presidentes pretendem estender a mais beneficiários. O fundo, de apenas US$ 3 milhões anuais, já acumulou U$ 17 milhões em projetos em onze países - como Haiti, Guiné Bissau, Palestina e Vietnã - para atividades diversas, de energia solar a um hospital infantil, e programas de melhoria em avicultura, piscicultura e produção de arroz.
Os três países vêm, pouco a pouco, aumentando o comércio entre si, embora a maior parte dos US$ 17,2 bilhões registrados em 2010 seja entre Índia e os outros dois parceiros. Eles traçaram a meta de chegar a US$ 30 bilhões, até 2015, que pode ser prejudicada pela crise global - os sul-africanos chegaram a sugerir a redução da meta, para US$ 25 bilhões. Assim como o crescimento do comércio, a cooperação dos três países tem rendido frutos nas discussões sobre o meio ambiente, em que coordenam posições com a China no grupo conhecido como Basic.
Fonte: Valor Econômico - 17 Out 2011